sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

“Vincere” - Criação da História

Mussolini (Fillipo Timi) e Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno)
Marco Bellocchio, roteirista e diretor de “Vincere”, faz do cinema uma ferramenta de  manifesto ao recriar uma História, baseando-a em fatos reais, para, no desfecho, apresentar uma “mentira”, uma verdade que não aconteceu de fato.
Em “Bom dia, noite” (2003), Bellocchio narra a história de Aldo Moro (Roberto Herlitzka), o líder da Democracia Cristã, sequestrado e morto pelo grupo extremista Brigada Vermelha. Toda a narrativa se desenrola sobre o que ocorre na noite anterior ao seqüestro, o cotidiano no cativeiro, o julgamento e a libertação. Aldo Moro é julgado pelos seqüestradores, mas tudo isso nos é dado pelo prisma de Chiara, a mulher que namora um dos seqüestradores: ela é o elo entre o grupo e o  mundo exterior. Chiara mantém sua rotina no trabalho, leva alimentos e informações para dentro do cativeiro mas, ao se defrontar com Moro, a personagem começa a duvidar sobre a validade do ato, do seqüestro e da condenação à morte de Moro. Magistralmente, Bellocchio faz com que ele escape na manhã na qual deveria ser executado, o filme termina com Moro caminhado na chuva e o espectador não sabe ao certo quem o soltou e nem se isso de fato aconteceu: a realidade do universo histórico, base da  história de Bellochio, é outra; o Aldo Moro da vida real foi morto pela Brigada Vermelha.
Mussolini (Fillipo Timi) e Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno)

Em “Vincere”, Bellocchio retoma estilo de contar uma história baseada em fatos reais.  Há um segredo na vida de Benito Mussolini (Fillipo Timi): uma mulher, Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno); e um filho, Benito Albino, que nasceu, foi reconhecido e  em seguida renegado. Uma página negra da História italiana ignorada pela biografia oficial do Duce.
Novamente, através do olhar, feminino somos encaminhados pela História que, desta vez, Bellocchio corrompe a partir da relação íntima entre Ida e Mussolini. O desfecho de “Vincere” proporcionará ao espectador um raro prazer, poucas vezes experimentado na sala de cinema: após cento e vinte oito minutos de uma composição de imagem muito bem elaborada, interpretações maravilhosas, uma excepcional inclusão de imagens de arquivo, inserção de grafismos modernistas; o espectador recebe como prêmio um final com ares de realidade baziniana, isto é, uma epifania do real, um final realista especialmente confeccionado para a diegese do filme e não de acordo com a História tal qual a conhecemos.
Sendo o cinema uma arte na qual é necessário um acordo tácito entre o espectador e a obra, onde o primeiro deve acreditar na ilusão de realidade apresentada, mesmo que o cinema exija  dele a abstração da tela plana e o aceite das convenções próprias da linguagem cinematográfica. O diretor impõe a seus "públicos" esse acordo, ao colocar - em uma determinada cena - seus personagens visionando um filme, um cinejornal, cujas informações (contidas nesta projeção) inflamam riv
alidade na platéia que entra em conflito ao som do piano. Som inicialmente utilizado para musicar o cinejornal que, em seguida, transforma-se em trilha sonora para a luta e para a projeção ao fundo. Nesta circunstância sobram semelhanças entre nós, espectadores do filme “Vincere”, e os espectadores do cinejornal da realidade fílmica criada por Marco Bellocchio.
Inteligentemente, Bellocchio utiliza a linguagem do cinema para manifestar com convicção a idéia de que somos mais do que meras testemunhas da História, somos projetados, em “Vincere”, para dentro do filme, numa clara alusão à possibilidade de construir outras realidades.

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